
Recentemente preguei no velório de um rapaz de trinta e dois anos que morrera em um acidente automobilístico. O Jovem, formado em Direito e instrutor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), era uma pessoa aparentemente feliz e realizada no início de sua promissora carreira. Mas naquele Domingo fatídico ele se arrumou, beijou sua jovem esposa grávida de sete meses, declarou o seu amor por ela, mandou um beijo à sua outra filhinha de seis anos e saiu às pressas por estar atrasado. Dois quarteirões à frente foi surpreendido por uma ultrapassagem na entrada de um viaduto. Assustado, desviou o carro que se chocou violentamente contra uma mureta de concreto. O impacto causou a fratura no pescoço e, consequentemente, a sua morte instantânea. No velório havia centenas de pessoas entre ex-colegas da faculdade, parentes, amigos da família e toda a corporação da PRF. Todos faziam coro com a jovem viúva católica que repetia: “Por que Deus levou meu marido, ele não tinha o direito de fazer isso... Que injustiça!”
Não preciso dizer sobre o grande desafio em pregar num ambiente como esse. Após meditar muito resolvi falar sobre o sofrimento e seus possíveis resultados com base no livro de Jó 42: 1 – 6. Mas algo preencheu a minha mente sobre essa cobrança desvalida contra o Senhor Deus. Reconheço e respeito a dor e sei o que é perder um ente querido, mas tal sofrimento não nos credencia a chamar a Deus de tirano, de injusto ou de impiedoso.
Diante desse triste cenário surge a indagação: por que as pessoas cobram tanto de Deus? Por que esperam nele sempre as satisfação pessoal? Por que toda a tragédia deve ser mascarada como atitudes diabólicas, como resultados da falta de fé ou como vindo da parte de um ser divino que desconhece o futuro, como querem insistir os teólogos relacionais? Em essência a resposta seria pelo fato do ser humano sempre buscar o conforto e nele estabelecer a sua felicidade. As pessoas sempre confundem bênção com benefícios imediatos da vida, e maldição com dificuldades da vida. Essa visão totalmente distorcida ocorre por essa busca desenfreada, quase hedonista, do bem estar como propósito número um da vida. Ser feliz é estar saudável, ser abençoado e estar abastado.
Nesse roldão encontramos as religiões oportunistas que massageiam a concupiscência alheia com promessas vazias pela falsificação do Evangelho de Cristo. São grupos que restringem o poder de Deus por colocá-lo ao inteiro serviço dos ávidos pela classificação social. Utilizam os rituais mais estranhos, forçando o Deus glorioso a se tornar um eterno deus-cornucópia cuja a única função é jorrar objetos e situações para preencher os desejos mais vis do coração humano. Por exemplo, quando a IURD diz que um caixote, representado como a Arca da Aliança, possui poder em si mesmo, e que as pessoas verão esse poder disponibilizado pelo simples toque das mãos é, no mínimo, paganismo (pelo flagrante fetichismo) e anticristianismo (por substituir a glória de Cristo por outro). O resultado é o recrudescimento das cobranças descabidas a Deus e as acusações quando o desejo é frustrado.
É nesse contexto que quero disponibilizar um texto que recebi de um membro da igreja que, em certa medida, estava envolvida no sofrimento da família supracitada. Seu nome é Taináh Mota, uma jovem de 24 anos, casada e que vive a sua segunda gravidez (na primeira perdeu o filho devido a um aborto espontâneo). Eu possuo a sua companhia desde quando ela tinha oito anos de idade. Por isso não posso ocultar a minha alegria em perceber uma ovelha tão madura no assunto, embora seja ainda tão nova. Espero que a sua mensagem sirva de edificação, consolo e desafio a todos que querem entender esse intrincado relacionamento entre o Criador e a criatura, relacionamento que traz sorriso, bonança e bem estar, mas que também traz choro, conflito e dificuldades. Eis o texto na íntegra:
“Quando acontecem tragédias em nossa vida é muito comum que culpemos a Deus. Só que, se analisarmos, a culpa só é de fato de Deus se a função Dele fosse garantir nosso bem estar. Essa é uma visão completamente equivocada, mas a maioria de nós vê a Deus dessa maneira. Ele está em seu sublime trono e ocupa os seus dias afastando o mal e providenciando bênçãos para a humanidade. Se prestarmos atenção nas músicas evangélicas atuais, tudo se resume à "suas promessas pra mim", "suas bênçãos sobre mim". Não que isso não seja realidade. A Bíblia promete, sim, vida bem sucedida, satisfação e bênçãos aos justos. Mas a ênfase nisto é tamanha que parece que essa é a função de Deus: nos proteger, não permitir tragédias e etc. Como resultado, quando chega o dia mal, nos decepcionamos com Deus, afinal, Ele não cumpriu o seu papel!! Que audácia da nossa parte! Pense bem, quantas vezes já questionamos a Deus por algo que ele não impediu?
Eu nunca passei por uma situação de morte na família. O máximo que me aconteceu foi um aborto espontâneo ano passado. Foi quando eu entendi: Deus não me deve nada! Ele não existe para realizar meus sonhos, satisfazer meus anseios. E ainda assim, ele usou akilo pro meu bem. Que Deus bondoso! Nós crentes temos uma dificuldade TREMENDA de entender o que é viver para a glória de Deus. O que eu diria é o extremo oposto do "Deus vive pra mim".
Nós vivemos pra Glória do Senhor, ou melhor, deveríamos viver. Isso é que é o pior. Não é Deus que não tem cumprido o seu papel, mas nós. Quanto mal testemunho não damos cada dia? Quantas atitudes que envergonham e maculam o nome de Deus os nosso colegas de trabalho e familiares já nos viram fazer? Eu não consigo nem contar...E depois disso temos a audácia de dizer: que Deus é esse? Ainda assim, Ele nos dá o seu amor e o seu conforto! Ele transforma tragédia em bênção! Ele transforma pranto em júbilo! E ele não tem que fazer isso. Faz por que ama. Faz por que escolheu amar pessoas que, apesar de salvas, envergonham o seu Santo nome todos os dias.
Obrigada, Senhor, pelo seu amor incondicional. E nos ensina a viver para a sua Glória!”
Sola Scriptura