Há algumas questões que eu gostaria de fazer aos antropólogos sobre o apoio concedido à prática do infanticídio entre os povos tradicionais da Amazônia. Sei que o debate é complexo e que esgotar todos os argumentos utilizados pelos que apóiam e pelos que rechaçam é tarefa quase impossível. Ainda assim, quero refletir um pouco sobre este tema.
Comecemos comparativamente com dois assuntos polêmicos que têm suscitado grande discussão sobre o direito à vida. O primeiro é o que trata da pena de morte aos homossexuais em alguns países da África como na Mauritânia, no Sudão e na Somália. A argumentação utilizada é a de que a prática homossexual é contrária à natureza humana, tornando o infrator um merecedor da morte. O segundo é o que trata sobre a sentença sobre as mulheres acusadas de adultério, como é o caso mundialmente conhecido de Sakineh Ashtani, acusada de adultério e de ter participado no assassinato do marido (muitos afirmam que a acusação de cumplicidade no assassinato é inverídica, divulgada apenas para reforçar diante da comunidade internacional a pena capital).
Não é segredo a grande quantidade de protestos ao redor do mundo contra a morte institucionalizada dos gays e das mulheres. Os discursos indignados são disparados contra um sistema de representações que age contra a vida humana. Refiro-me ao sistema de representações porque as justificativas a favor de tais assassinatos tornam as pessoas num marcado-para-morrer. A queixa é contra o ato que faz com que a dignidade humana desmorone diante dos discursos e da visão de mundo pertencentes aos algozes. É importante salientar que os antropólogos estão alinhados a este tipo de protesto.
Nesse contexto eu pergunto: por que então há pessoas que se opõem aos casos dos gays na África e das mulheres no Oriente Médio, mas defendem o direito ao infanticídio entre os povos tradicionais? A argumentação de que, para a mãe indígena, a criança só se torna um ser humano depois de levantada do solo, é extremamente frágil. Todavia, é esta a visão que faz parte do sistema de representações da cultura tradicional específica que faz do recém-nascido ainda não erguido do solo um marcado-para-morrer.
Assim como para os carrascos que matam os acusados de homossexualismo ou de adultério não há crime em seu ato, uma vez que a lei – extensão da cultura local – afirma que o delito os transformou em marcados-para-morrer, a mesma isenção passa pela mente da mãe que sufoca seu bebê até a morte.
Como negar que o infanticídio é um crime hediondo contra a vida e contra a dignidade humana? As justificativas culturais não são capazes de redimir a prática criminosa. Penso que antes de se relativizar o direito cultural, deve-se reafirmar o direito à vida de qualquer pessoa, seja de um homossexual, de uma acusada de adultério ou de um recém-nascido.
Finalizo esta postagem com mais questionamentos aos defensores do infanticídio: será que o mesmo protesto contra algumas nações da África e do Oriente Médio não deveria ser aplicado aos povos tradicionais, não importando a justificativa cultural vigente na aldeia? Como conciliar o direito à vida e o infanticídio? O relativismo cultural está acima da vida humana? Será que a interpretação das culturas pode ser tão polissêmica e antagônica assim?
Duvido muito que haja alguma resposta...
Sola Scriptura.