UMA CARTA PARA JOSÉ SARAMAGO


Carta fictícia escrita por um falecido amigo de José Saramago, Gago D’Andrade Brasão, que foi entregue no último dia 18, dia da morte do escritor português.
“Meu caro José.
Faz muito tempo que eu gostaria de escrever-te esta carta daqui donde estou, mas fui severamente proibido de fazê-lo. Após a minha morte fiz de tudo para contar-te a minha impressão sobre a tua vida lá na terra dos viventes e o que aguardava-te aqui no mundo dos mortificados. Ainda bem que agora sei que tu receberás o meu texto, embora seja tarde demais.
Quando estávamos juntos em vida, sempre fiquei satisfeito com a tua trajetória política e literária. Não posso negar que foi linda a entrega do Nobel de Literatura, embora tivesse preferência pelo Prêmio Camões. Afinal de contas, este é da nossa terra e da nossa amada língua.
Sempre vibrei em vê-lo como um militante da esquerda a lutar pela utopia marxista no velho Partido Comunista Português. Como admirava os teus discursos inflamados contra a ideologia imperialista cujo lema era reificar o trabalhador para que o acúmulo das riquezas ficasse nas mãos de alguns.
O que dizer dos teus romances, peças teatrais, contos, poemas, crônicas, memórias? Até mesmo uma obra aos infantes foi composta por ti, refiro-me a “A maior flor do mundo”. Como foste produtivo e pudeste livremente externar tudo que pensavas da vida e das pessoas.
Também sentia orgulho quando contemplava a tua luta contra a Igreja, atitude condizente com o teu ateísmo aguerrido que tanto insistiu em desdivinizar o Cristo, tentando transformá-lo em um mero homem perturbado. É por isso que nem preciso dissertar sobre o teu célebre e polêmico romance “O Evangelho segundo Jesus Cristo”.
E a obra escrita no ano da minha morte? Lembra que eu morri em 1991 e tu concluíste o "Ensaio sobre a cegueira"? Que obra magnífica, imortalizada pelo teatro e pelo cinema. Eu achava que tu havias sido preciso em demonstrar a crueza humana e de como ela está susceptível às mudanças bruscas. Foi uma humanidade construída com requinte de marxismo e acidez existencial. Eu achava tudo isso o máximo!
Mas meu caro José, sinto dizer-te: eu estava errado. Ah pá, que tristeza!
Depois de morto descobri que tais impressões foram uma ledice efêmera que não podia durar mais do que o meu tempo de vida na terra. Veja só! Descobri que eu não era um mero conglomerado de músculos e órgãos que proporcionava as minhas idiossincrasias para com a suposta matéria desespiritualizada. Não, não, tudo foi um lamentável equívoco, pois descobri que a morte não é o fim de tudo. Eu celebrei e admirei tudo aquilo que vinha da depravação humana. Envergonho-me em só agora saber que todos nós somos seres espirituais além de materiais (não é que os gregos, e muito mais a Bíblia, tinham razão?).
Aqui neste plano descobri que os ideais esquerdistas de orientação atéia não me acumularam nada. Descobri também que os prêmios e bajulações da vida de nada adiantam. Não há como impressionar ninguém daqui.
Da mesma forma descobri que a luta contra Deus e seu Filho transformou-nos em cavaleiros quixotescos, soldados do nada que se ocuparam com o vento e que se lançaram contra o vazio. Como é duro descobrir que há um Criador inteligente, e mais, que ele mesmo traçou um plano soberano determinado a cada indivíduo da raça humana. Como é sofrível saber que Jesus é o Cristo prometido, bem como o Salvador dos eleitos de Deus. Sabia que ele é a revelação exata do Pai demonstrada nas Escrituras Sagradas? Saiba que eu me contorço de pavor ao saber o que me aguarda, pois este mesmo Cristo me julgará naquele dia, o Dia do Senhor. Lá estarei diante do Reto Juiz que me sentenciará com equidade.
Ah José, agora é tarde, muito tarde. Eu tentei avisá-lo daqui, mas não pude. Lamento que só agora tu descobriste tudo isso. Só agora faz sentido dizer que a experiência dolorosa da cegueira que descreveste em 300 páginas foi a tônica de toda a tua miserável vida desde o dia 16 de novembro de 1922 (o teu nascimento) até ao dia 18 deste mês (a tua morte). Nós é que éramos cegos meu amigo, nós é que tínhamos a cegueira contagiosa que se contrai no momento da concepção feita em pecado, cegueira esta que nos acompanha até o fim. Hoje sei que somente o colírio de Deus poderia nos trazer a luz nunca contemplada.
Agora, meu amigo José, seu corpo se reduz a cinzas. Mas saiba que haverá um dia em que o Cristo dará uma voz de comando e, em obediência, tu irás ressuscitar das cinzas (feito a ave fênix) para a condenação eterna juntamente com aquele que nos cegou a vida inteira.
É o que tenho para escrever...
Com tristeza e dor, do teu falecido amigo,
Gago D’Andrade Brasão.”
Sola Scriptura.
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