CRIADOR E CRIATURA: Vontade e Relacionamento

Quando pensamos sobre a natureza e a humanidade que nela reside, muitas discussões surgem para se entender de que maneira Deus se relaciona com estas instâncias. Ao tomarmos conhecimento dos vários movimentos que buscam as respostas na Filosofia e na Teologia dissociada das Escrituras, percebemos que não tem sido tão simples a compreensão de como Deus age sobre o universo criado e de que maneira ele reina como soberano. E as tentativas no âmbito teológico extra bíblico e filosófico demonstram que este debate está longe de chegar a um consenso entre os seus principais pensadores.

O meu objetivo aqui é, primeiramente, elencar alguns exemplos dos equívocos cometidos nesta visão do Criador e criação, incluindo o ser humano. Em seguida desejo propor um modelo reformado da soberania de Deus nesta relação.

O primeiro que menciono aqui é o que conhecemos por Panteísmo, teoria que desconhece a distinção entre Criador e criatura, ou seja, Deus está em tudo (numa perspectiva material) e tudo está em Deus (numa perspectiva ideal). A existência e organização do universo ocorrem pela ação divina que é a própria natureza como entidade que segue seu próprio curso. Não há separação entre o espiritual e o material; o metafísico e o físico, a religião e o naturalismo. Nesta relação entre Deus e a natureza, o que ocorre é a homogeneização. Muito próximo a este pensamento encontramos o Panenteísmo, que afirma estar Deus aprendendo com o desenrolar da trajetória humana e do Universo, ou seja, a maturação divina depende da natureza. O panteísmo, portanto, propõe que o conhecimento da divindade está na apreensão da natureza e seus atributos.

O segundo exemplo que quero mencionar é o que conhecemos por Deísmo, teoria largamente utilizada pela modernidade empírica pós-medieval. Esta linha de pensamento não negava a existência de Deus, mas negava sua interferência direta e pessoal na natureza. Aceitam que o universo foi criado sob leis rígidas que regem tudo, dispensando, por força destas leis naturais, a presença do Criador. Uma analogia muito utilizada é a do relojoeiro, onde Deus é comparado a um grande relojoeiro do Universo que deu cordas na natureza que passou a funcionar desde então. Nesta relação o que ocorre é o afastamento. E o mais importante para o Deísmo é a descoberta das leis naturais para posterior domínio destas leis.

O terceiro exemplo que menciono aqui é o Teísmo, visão que crê na distinção entre Deus e a natureza, bem como na interferência direta do Criador sobre a criação. Mas esta área de pensamento, longe de ser coesa, se desdobra em vários segmentos. Como exemplo, cito a Teologia Arminiana que atrela a ação de Deus à sua presciência sobre o livre arbítrio humano, ou seja, Deus controla a natureza, mas não controla o homem que é senhor do seu futuro. Quanto à salvação, Deus “escolhe” porque de antemão já sabia que o referido iria se converter. Aqui encontramos uma contradição interna na argumentação, pois escolha é um ato deliberado, livre e soberano do sujeito em detrimento do objeto. Mas é assim que pensam. Deus controla tudo, menos o livre arbítrio do homem. Um outro exemplo mais recente do Teísmo Arminiano é o Teísmo Aberto (também conhecido como Teologia Relacional) onde a soberania divina inexiste diante do Universo. O próprio tempo serve apenas como parâmetro para que Deus viva agrilhoado a esta realidade, pois sua vivência ocorre como a natureza e como o homem, ou seja, em um eterno continuum, repleto de surpresas e inesperados acontecimentos. Logo, para se conhecer a Deus, deve-se conhecer o homem e sua trajetória neste mundo, uma vez que tais práticas são paralelas às práticas de Deus.

Todas estas visões, sem exceção, focalizam o homem e a natureza como centro principal para a compreensão de Deus e seus atos. A fonte primária está na revelação meramente subjetiva ou, numa palavra mais técnica, no humanismo pós-renascentista.

Ao contrário destas argumentações temos a concepção Teísta Reformada sobre a relação entre Deus e a natureza. Esta visão pode ser traduzida pela doutrina da Providência. A Confissão de Fé de Westminster, ao definir este ponto diz no Capítulo VI:

“Pela mui sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as ações delas e todas as coisas, desde a maior até a menor.”

Deus não apenas criou tudo do nada por sua bendita e poderosa palavra, mas sustenta todo o Universo pessoalmente de forma geral (a natureza e a humanidade) e de forma especial (os eleitos ao seu Reino). Nada escapa ao seu divino controle conforme a Palavra nos afirma. Vejamos alguns destes textos.

Em I Crônicas 29:11, 12 encontramos a seguinte afirmação sobre o Universo:

“Teu, SENHOR, é o poder, a grandeza, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, SENHOR, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos. Riquezas e glória vêm de ti, tu dominas sobre tudo, na tua mão há força e poder; contigo está o engrandecer e a tudo dar força.”

E em Salmos 139:13 a 16 temos a declaração sobre nós, seres humanos:

“Pois tu formaste o meu interior tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.”

Quanto à natureza e suas manifestações, encontramos em Jó 36:26 a 37:13 o seguinte:

“Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender; o número dos seus anos não se pode calcular. Porque atrai para si as gotas de água que de seu vapor destilam em chuva, a qual as nuvens derramam e gotejam sobre o homem abundantemente. Acaso, pode alguém entender o estender-se das nuvens e os trovões do seu pavilhão? Eis que estende sobre elas o seu relâmpago e encobre as profundezas do mar. Pois por estas coisas julga os povos e lhes dá mantimento em abundância. Enche as mãos de relâmpagos e os dardeja contra o adversário. O fragor da tempestade dá notícias a respeito dele, dele que é zeloso na sua ira contra a injustiça. Sobre isto treme também o meu coração e salta do seu lugar. Dai ouvidos ao trovão de Deus, estrondo que sai da sua boca; ele o solta por debaixo de todos os céus, e o seu relâmpago, até aos confins da terra. Depois deste, ruge a sua voz, troveja com o estrondo da sua majestade, e já ele não retém o relâmpago quando lhe ouvem a voz. Com a sua voz troveja Deus maravilhosamente; faz grandes coisas, que nós não compreendemos. Porque ele diz à neve: Cai sobre a terra; e à chuva e ao aguaceiro: Sede fortes. Assim, torna ele inativas as mãos de todos os homens, para que reconheçam as obras dele. E as alimárias entram nos seus esconderijos e ficam nas suas cavernas. De suas recâmaras sai o pé-de-vento, e, dos ventos do norte, o frio. Pelo sopro de Deus se dá a geada, e as largas águas se congelam. Também de umidade carrega as densas nuvens, nuvens que espargem os relâmpagos. Então, elas, segundo o rumo que ele dá, se espalham para uma e outra direção, para fazerem tudo o que lhes ordena sobre a redondeza da terra. E tudo isso faz ele vir para disciplina, se convém à terra, ou para exercer a sua misericórdia.”

O que se conclui é que Deus continua sustentando soberanamente a criação e os rumos da humanidade por seu infinito controle, isto é, sua vontade. É óbvio que, em se tratando desta vontade, alguns aspectos precisam ser avaliados e compreendidos, uma vez que há quatro tipos de manifestações diferentes da vontade divina, sempre demonstrando a mesma soberana providência sobre a criação.

Em primeiro lugar existe a vontade oculta de Deus aos seres humanos. Neste aspecto nada escapa do seu controle, pois não há surpresas para o soberano Criador. Pelo menos deve haver a sua permissão para que certos eventos ocorram, mas tudo, absolutamente tudo, acontece e só pode acontecer sob sua eterna e soberana determinação. Esta vontade, como já mencionei, está oculta à humanidade até o momento em que se torna fato vivido ou presenciado nas práticas humanas. Há muitos exemplos na Palavra, como o caso de José do Egito que, diante de sua situação de sofrimento, traição e abandono familiar, afirmou em Gêneses 45:5–8; 50:20:

“Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós. Porque já houve dois anos de fome na terra, e ainda restam cinco anos em que não haverá lavoura nem colheita. Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livramento. Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus, que me pôs por pai de Faraó, e senhor de toda a sua casa, e como governador em toda a terra do Egito. (...) Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida.”

E o que dizer da morte violenta do Diácono Estevão que, por soberania divina, serviu para que a Igreja se espalhasse por Roma e até fora das suas fronteiras? O próprio texto do livro de Jó supracitado demonstra que as catástrofes naturais, como terremotos, maremotos, tsunamis, enchentes etc. acontecem por decreto direto de Deus para a aplicação da sua justa disciplina, bem como o exercício da sua bendita misericórdia.

Em segundo lugar existe a vontade que reflete tudo aquilo que alegra ou entristece o coração de Deus. Esta vontade nos é revelada, pois ninguém pode negar que há alegria no céu quando um pecador se arrepende, mesmo que este arrependimento ocorra devido à predestinação. Ou ainda, ninguém nega que Deus não tem prazer na morte do ímpio, embora esta morte tenha sido decretada. Ou ainda, que a morte do justo lhe seja cara, embora ocorra debaixo de sua soberania. No Dia do Juízo Final Deus não sentirá alegria e prazer na condenação do ímpio, embora esta condenação ocorra por sua justa e divina vontade. É por este motivo que Deus se alegra com a nossa obediência, mas se entristece ou até mesmo se irrita com a nossa desobediência.

Em terceiro lugar existe a vontade de Deus que nos é revelada claramente. Esta vontade está registrada em sua divina Palavra quando expressa que o Criador deseja para as criaturas como, por exemplo, o nosso arrependimento, a nossa santificação etc. Ninguém está autorizado a descumpri-la, embora ao homem se tenha dado a capacidade de contrariá-la. Também ninguém pode responsabilizar a Deus pelo pecado cometido dizendo que, se Deus é soberano, logo ele deve ser o principal culpado pelas atitudes erradas do ser humano, pois neste caso o que ocorre é a permissão divina para que o homem possa, embora não tenha este direito, de contrariar esta vontade revelada.

Há dois exemplos claros que quero mencionar. O primeiro é o caso do pecado de Davi quando mandou fazer o recenseamento do povo de Israel. Em I Crônicas 21:1 encontramos:

“Então, Satanás se levantou contra Israel e incitou a Davi a levantar o censo de Israel.” Mais a frente encontramos nos versos 7 e 8: “Tudo isto desagradou a Deus, pelo que feriu a Israel. Então, disse Davi a Deus: Muito pequei em fazer tal coisa; porém, agora, peço-te que perdoes a iniqüidade de teu servo, porque procedi mui loucamente.”

Quando olhamos para a narrativa paralela em 2 Samuel 24:1, 10, assim se lê o texto:

“Tornou a ira do SENHOR a acender-se contra os israelitas, e ele incitou a Davi contra eles, dizendo: Vai, levanta o censo de Israel e de Judá. (...)Sentiu Davi bater-lhe o coração, depois de haver recenseado o povo, e disse ao SENHOR: Muito pequei no que fiz; porém, agora, ó SENHOR, peço-te que perdoes a iniqüidade do teu servo; porque procedi mui loucamente.”

O que quero ressaltar aqui é que todo o processo aconteceu sem que em nenhum momento Deus deixasse de estar no controle, pois mesmo Satanás só pode agir sob a soberania divina. Por outro lado, Davi não foi isento de seu pecado que, conseqüentemente, não deixou de ser vil e revoltoso.

Outro exemplo semelhante é o de Judas Iscariotes no Novo Testamento, pois sua atitude foi instrumento para que os eternos decretos de Deus se cumprissem para a redenção dos eleitos, mas isto não isentou Judas de sua culpa e nem o seu pecado deve ser considerado ínfimo, ao contrário, sua atitude foi covarde e detestável.

Em último lugar menciono a vontade de Deus na criação. A natureza, desde o momento em que fora criada, funciona conforme o querer de Deus. A própria Física reconhece que há leis inalteráveis que regem a natureza. Diga-se de passagem, estas leis, inclusive, contrariam a falácia evolucionista. Basta observar as leis da termodinâmica, ressaltando a lei da entropia. Basta lembrar o Salmo 19: 1 – 6:

“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor.”

Quero concluir dizendo que as Escrituras demonstram as várias faces da vontade de Deus que por sua vez, possuem por fundamento sua soberania. Em nenhum momento da trajetória do Universo e, conseqüentemente, da trajetória humana Deus deixou de estar no controle, caso contrário, como as profecias trazidas no Velho Testamento poderiam se cumprir? Concomitante a isto, todos nós somos responsáveis pelo nosso pecado, seja pela escolha que fizemos em nossos pais no Éden, seja pela livre-agência, seja pela desobediência da sua santa Lei. Resta-nos apenas crer nesta verdade e sempre estar submisso em obediência. A doutrina da Providência é tão bíblica quanto necessária para que compreendamos a linearidade dos acontecimentos, ou seja, que em tudo há uma finalidade: a glorificação e santificação do excelso nome do nosso Deus. E é somente por esta perspectiva que podemos compreender as Alianças de Deus para com o seu povo e o glorioso final reservado à sua igreja. Aconteça o que acontecer, Deus é soberano, Deus é providente, Deus é altíssimo.

SOLA SCRIPTURA

3 comentários:

Anônimo disse...

que bom encontrá-lo no mundo dos blogueiros,eu tb passeio por aquí,só que há mais de 4 anos...fico feliz de poder ler uma mensagem também do meu pastor,melhor,do duda,pq aquí somos todos uma ! exclamação do dia...
Lí o poema abaixo tb,e pode ter certeza que mesmo não postando as vezes sempre vou viver um pouco do seu blog...é claro que o meu bloguim nem se compara ao seu,mas faz parte da minha vida,conhecer pessoas novas,e não precisam de contato pra serem nossos amigos,pessoas de toda parte do Brasil,é isso,um abraço.

Anônimo disse...

que bom encontrá-lo no mundo dos blogueiros,eu tb passeio por aquí,só que há mais de 4 anos...fico feliz de poder ler uma mensagem também do meu pastor,melhor,do duda,pq aquí somos todos uma ! exclamação do dia...
Lí o poema abaixo tb,e pode ter certeza que mesmo não postando as vezes sempre vou viver um pouco do seu blog...é claro que o meu bloguim nem se compara ao seu,que é tão poético,profundo e inteligente,parabéns.O blog é poder conhecer pessoas novas e que não precisam de contato pra serem nossos amigos,pessoas de toda parte do Brasil,é isso,um abraço.

Anônimo disse...

vale o último comentário :p

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