POVOS EXTINTOS E A PREDESTINAÇÃO – uma reflexão particular sobre a justiça divina

Muito se tem escrito sobre a Predestinação. E os defensores dessa doutrina usam como fundamento as Escrituras, fonte inequívoca das informações sobre a total e absoluta soberania de Deus. É por esse motivo que a Teologia Reformada não se cansa em afirmar sobre a morte de Cristo pelos eleitos, uma vez que o Senhor já determinou de antemão aqueles que iriam ser salvos. Dito isto, esclareço que o meu desejo aqui não é argumentar naquilo que já está fartamente divulgado e publicado por meio da Teologia Bíblica e Sistemática. Meu desejo aqui, conforme expresso no título acima, é refletir sobre o tema Predestinação a partir de um ponto mais focal, particular e empírico: os povos e etnias que já desapareceram no passado remoto.

Por meio dos achados arqueológicos e da etno-história somos informados sobre os muitos povos que surgiram, se desenvolveram e sucumbiram sem deixar um membro sequer. Foram nações que, embora tenham alcançado momentos de glória ou de vantagens tecnológicas da época, em um dado momento da sua trajetória deixaram de existir. Alguns desapareceram pela interação cultural; outros por relacionamento interétnico; outros minguaram pela grande quantidade de batalhas sangrentas, epidemias ou escassez de alimentos; outros foram brutalmente dizimados por povos inimigos mais numerosos ou poderosos nas artes bélicas.

Até aqui não há novidade nenhuma, e imagino que uma pergunta pode surgir: “qual a relação entre a existência e extinção de povos antigos e a predestinação de Deus à salvação?” Minha resposta e proposta neste artigo é que as duas realidades promovem uma reflexão fundamental no que diz respeito à justiça de Deus. Quero, então, ponderar sobre este contexto tomando por base as duas maiores afirmações teológicas sobre a salvação: a arminiana e a reformada.

Segundo a Teologia Arminiana, os indivíduos são dotados de livre-arbítrio, ou seja, Deus não interfere nas decisões humanas e está sempre aguardando o homem decidir se quer ou não a expiação que, por definição, abrange toda humanidade. Com isso afirmam a necessidade vital do contato com a informação sobre o plano de salvação para que as pessoas tenham a oportunidade de escolher ou resistir à salvação. Bem, se para os arminianos isso reflete a justiça de Deus, também é neste ponto que encontramos um grande paradoxo quando pensamos nos povos supramencionados. Todos concordam que muita gente viveu em épocas em que seria humanamente impossível conhecer o Evangelho. A falácia mórmon da visita de Cristo à América não passa de uma lenda espetacular gerada pela mente frutífera de Joseph Smith. Neste caso, então, todos concordam que muitas etnias surgiram, viveram e desapareceram sem a possibilidade de um evangelista se infiltrar no meio deles para dar-lhes a oportunidade de escolha. E isto ocorreu sem que houvesse culpa ou negligência da parte do povo de Deus. Por exemplo, como Abraão poderia em sua época falar do Senhor Deus aos povos do extremo oriente? Ou como Isaías poderia pregar aos povos distantes do continente europeu? Ou como Filipe poderia evangelizar sobre Cristo aos ameríndios nas terras baixas da América do Sul? Vejam que aqui não há negligência, o que há é a impossibilidade temporal, geográfica e cultural, pois o progresso da evangelização estava atrelado às limitações naturais do homem em seu tempo e espaço. O próprio crescimento da igreja acompanhou o ritmo lento da caminhada humana em seu desenvolvimento tecnológico e conhecimento da existência de outros povos em regiões remotas.

Agora pensemos no futuro e a presença destes povos diante do trono de Deus no dia do juízo. No momento do veredicto divino, imaginemos alguém bradar: “como posso ser condenado por algo que não pude escolher?” Percebam que o arminianismo possui este corolário uma vez que a salvação individual depende da escolha de cada um. A dificuldade surge quando não se pode escolher sobre aquilo que nunca se ouviu. Claro que se pensarmos em épocas posteriores ao século XVI concluiremos que as igrejas possuíam a responsabilidade de enviar missionários ao continente americano. Mas, e antes quando ninguém conhecia a existência dos povos indígenas ou do longínquo continente? Como Deus pode ser justo em condenar estes povos sem ter dado a eles a oportunidade de escolha? Aqui temos um problema moral grave, ou seja, se o arminianismo está com a razão, o resultado é um ato injusto da parte de Deus, pois sua condenação cairá sobre pessoas que nunca tiveram contato com a sua Lei especial que menciona a possibilidade da salvação. Se, porventura, os teólogos lançarem mão sobre o texto que afirma sobre o fato do homem ser indesculpável pela revelação natural, ainda assim sabemos que a salvação vem pelo ouvir a Palavra de Deus. E o problema criado por este ramo teológico permanece.

Diante deste sério paradoxo, percebemos que a visão reformada é, sem dúvida nenhuma, muito mais coerente, uma vez que sempre vai resultar num Deus eternamente justo em seu caráter e atos. Isto concorda com uma posição mais bíblica: a Predestinação.

Segundo a Teologia Reformada, Deus, em sua soberana vontade, elegeu incondicionalmente o seu povo, retirando-o da condenação, da morte espiritual e da depravação total, situações advindas pela escolha dos nossos primeiros pais: Adão e Eva. A conversão só ocorre aos eleitos que, ao compreenderem o plano de salvação divino pela evangelização e pela iluminação do Espírito Santo, não podem resistir à graça. Por isso há um ponto muito importante a ser destacado: a expiação de Cristo alcança apenas os predestinados. Em palavras mais simples, Deus, soberanamente, elegeu somente alguns para a salvação eterna. Conseqüentemente, o pecador será condenado, não por que deixara de escolher a Cristo mediante a pregação do Evangelho, mas por que está em depravação total pelo pecado ocorrido no Éden. Ninguém, neste caso, poderá dizer, no dia do julgamento final, que Deus foi injusto por não ter dado a chance de escolha entre Cristo como salvador e a condenação. Pelo contrário, todos, sem exceção alguma, tremerão diante da justiça de Deus que é perfeita, misericordiosa e absoluta.

Aqui neste contexto podemos inserir os antigos povos que surgiram, viveram e desapareceram em tempos imemoriais sem ouvirem uma palavra sequer do Evangelho. Eles serão condenados justamente, pois para isto foram destinados e, em Adão, isto escolheram.

Concluo dizendo que não é meu objetivo nesta reflexão minorar a responsabilidade da inadimplência missionária. Há uma ordem específica para que preguemos o Evangelho a toda criatura, não fazê-lo é pecar por desobediência. Até porque a salvação vem pelo ouvir, por isso todo crente possui esta dívida para com os descrentes. O que quero ressaltar aqui é a situação de povos antiqüíssimos que nunca ouviram a palavra de salvação devido ao momento em que viveram, paralelo ao desenvolvimento que a Igreja passava temporal e geograficamente. Muitos arminianos nos acusam de imputar ao Senhor Deus atos de injustiça por retirar do homem o livre-arbítrio. Mas o problema é muito mais grave do outro lado, pois se Deus supostamente deixou a escolha ao homem em decidir entre a salvação ou não, qualquer um que não tenha ouvido sobre esta salvação, sendo-lhe retirada a possibilidade de opção, sentirá o direito de fazer uma afirmação absurda e totalmente inverídica: “Deus é injusto em alguns casos na trajetória humana”. É claro que não é assim que encontramos nas Escrituras. E, embora esta reflexão esteja pautada muito mais na busca de uma coerência empírica, seu resultado aponta para o que já conhecemos conforme registrado nas Escrituras, ou seja, nosso Deus é eternamente soberano, misericordioso, livre e, acima de tudo, santo e justo.

13 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom seu texto! Dá pra dar nó na cabeça de muita gente!
Não posso deixar de lembrar de dois textos. O primeiro é Romanos 1"Tais homens são por isso indesculpáveis;" E outro que sempre me deixa perplexa:"Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza." Mateus11:21 Esse texto "desbanca" os que confundem predestinação com presciência! Deus previu que eles se converteriam, mas não os elegeu!!! Por isso os sinais não foram feitos em Tiro e Sidom!!!Quanto mais penso nestas coisas, mais me maravilho com tão grande salvação!!!!
Abraços!

Alfredo de Souza disse...

Simone, na verdade a incoerência ocorre na doutrina arminiana por ser humanista em sua base filosófica, chegando quase a tocar o deismo da era moderna. A doutrina da predestinação, além de ser totalmente bíblica, é a mais coerente em toda a sua totalidade. Resumindo, crer no livre-arbítrio é apostar no paradoxal que só se resolve pela vã filosofia. Crer na predestinação, é crer na soberania de Deus, é crer em sua Palavra.

Um abraço.

Anônimo disse...

Valeu Alfredão!
Gostei muito da reflexão. Bastante esclarecedora. Tem muita gente que quer ter uma postura reformada, mas acaba sendo arminiano quando chega nesse ponto. Creio que seu texto vai ajudar pessoas como essas a se posicionarem melhor, especialmente a diferenciarem "predestinação" da "presciencia divina".
Keep well!
Gesse

Anônimo disse...

Duda,

Excelente reflexão. Reconhecer a Graça de Deus na Predestinação e na Separação Incondicional do Seu Povo, por meio do Sacrifício de Cristo pelos eleitos é uma verdade que precisa ser claramente exposta nos nossos dias, visto que muitos tem distorcido essas verdades essênciais para o Cristianismo, com uma pseudo-teologia antropocêntrica em nome de uma "justiça humanitária" na salvação.

Oa contrário do que pensam os arminiamos, o Movimento Missionário que não estiver sustentado pelas Doutrinas da Graça tende a ser um trabalho fundamentado nos méritos pessoais de "convenciento" da verdade, como se fosse esse o seu papel.

A nos, cabe concordar com o Pai das Missões Modernas Willian Carey: "Temos a certeza de que somente aqueles que foram destinados para a vida eterna irão crer, e que somente Deus pode adicionar à igreja aqueles que serão salvos. No entanto, não podemos senão observar, com admiração, que Paulo, o grande campeão das gloriosas doutrinas da graça gratuita e soberana, foi o mais notável em seu zelo pessoal pela obra de persuadir homens a se reconciliarem com Deus"

Anônimo disse...

Vc sabe que eu não sou 100% Calvino. Em compensação nada arminiano tb. Sou apenas reticente quanto à perspectiva reformada da eleição, que é um fato e é bíblica. Na verdadade 100% mesmo só de Jesus, heheh, e olhe que ainda tropeço muito!
Bom, tenho uma colocação a fazer. Considerando a idéia arminiana, não é necessariamente injustiça o fato de Deus não ter se revelado aos povos extintos. Desde que se creia no pecado original. Se o homem pecou e se distituiu da glória de Deus em Adão, está condenado. O fato de Deus ter, por amor, enviado a cura que é Jesus, não significa que Ele tenha criado a doença. Somos salvos pela graça, portanto, de presente. Dado a um grupo eleito ou escolhido por alguns, a salvação é imerecida - isso é fato. Os povos que morreram e foram para o inferno em qualquer hipótese (arminiana ou reformada) apanas confirmaram a decisão que tomaram no Éden. Se tivem tido contato com o evangelho apenas poderiam fazer parte de um grupo seleto, uma minoria, escolhida ou que atendeu ao chamado de Deus. Abraço.

Anônimo disse...

Eu concordo plenamente com as suas palavras, aliás, eu acho mesmo que seria muita pretensão nossa achar que temos alguma maturidade para escolher o nosso próprio destino e interferir no destino da história da humanidade. Esse posicionamento acaba por revelar que Deus não tem controle sobre a história... isto não procede, lógico.

Alfredo de Souza disse...

Gessé, Marcelo e Evódia, obrigado pelos comentários!

Anônimo disse...

Valeu ALFREDO, SEU ARTIGO FOI SIMPLES, NO ENTANTO, PROFUNDO, COM POCAS PALAVRAS VOCÊ CONSEGUIU SER ESMAGADOR, COMO UM AUTÊNTICO APOLOGETA, QUE DEUS SEJA LOUVADO! AGRADEÇO A DEUS POR ESTÁ ENTRE AQUELES QUE COMO VOCÊ PROFESSAM A FÉ REFORMADA. DE SEU AMIGO E COLEGA DE MINISTÉRIO: PR. IVON.

Alfredo de Souza disse...

Grande Ivon, é uma honra tê-lo aqui. Volte sempre.

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado

Diego disse...

Deixe-me ver se entendi, então não houve problema algum em espanhóis, portugueses e ingleses invadirem um continente, matar, escravizar e torturar seus povos pq eles eram predestinados por Deus a isso.
De fato, um Deus misericordioso e justo.
Gostaria de saber a explicação para o atual massacre aos cristãos na Índia. Opa! só me permita um palpite. O Demônio, correto?

Alfredo de Souza disse...

Responda primeiro: quem dizimou a humanidade com o dilúvio? Quem destruiu Sodoma e Gomorra? Quem matou o povo de Israel no deserto?

Para você, ou há dois deuses ou então concorda que o mesmo Deus misericordioso é o Reto Juiz, portanto, justo em todas as suas ações.

Como pode ver, seu argumento é fraco.

Pb Fernando disse...

Esse tema é bastante controvertido, porém a Bíblia é clara quando nos afirma que Deus na sua soberania elegeu em Cristo a quem Ele quis antes da fundação do mundo, conforme Ef 1.4.

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