
O presente texto representa uma idéia que ainda está em construção. Quero deixar claro que não está em questão aqui assuntos como a comunhão do crente com Deus ou a ação do Espírito Santo em sua vida, pois tais discussões estão arroladas nos temas sobre santificação e piedade cristã. Também afirmo que não há aqui a nulidade da vida plena do Espírito Santo, conforme Efésios 5: 1 – 6: 10 ou Gálatas 5: 13 – 25.
Dito isso, quero refletir sobre algo que tenho pensado já há algum tempo. A questão é: até onde termina a espiritualidade e até onde inicia o comportamento cultural nas práticas que distinguem uma determinada denominação de outra? Sendo mais direto, o que quero dizer aqui pode ser aclarado com a seguinte afirmação: o pentecostalismo, como fenômeno, é um comportamento cultural!
Quando uso o termo cultura, seu significado está de conformidade àquilo que os cientistas sociais chamam de significação simbólica. É, por exemplo, a descrição densa, segundo Clifford Geertz ou o capital' simbólico, segundo Pierre Bourdieu. São as significações que estão contidas nas redes sociais a fim de darem sentido à identidade contrastada com a alteridade. Em todo campo social, o indivíduo manifesta um comportamento que se adéqua à configuração social, para usar um termo de Norbert Elias. É o habitus que faz a ligação entre o fenômeno individual e a estrutura. Sempre que observo os gestos, as práticas, o comportamento, o timbre de voz, tudo isso está imbuído na cultura que torna coerente aquele que dela faz uso para se ajustar ao campo social vivido.
Como estudo de caso, quero citar o movimento pentecostal. Eu poderia utilizar outros movimentos. Mas como o espaço é pequeno, restringirei a análise a apenas esse grupo.
Muitos têm associado todo o modus operandi pentecostal às manifestações do Espírito Santo. A maneira contundente de pregar – incluindo os brados, a maneira de orar, a maneira de se relacionar, tudo é associado à espiritualidade. Para alguns (ressalto aqui que são alguns e não todos), tratam-se de manifestações que demonstram um poder divino que está acima das demais denominações (tradicional, de preferência). Todavia, para mim, o que chamamos de pentecostalismo são, em sua maioria, práticas utilizadas para diferenciar um determinado grupo de outro. Apenas isso.
Volto a afirmar que não é meu objetivo analisar se certo comportamento vem do Espírito Santo e das Escrituras ou se vem da carne e do Inimigo. Minha reflexão é tentar provar que o pentecostalismo per si é muito mais uma manifestação cultural que espiritual.
Aliás, boa parte das fronteiras que dividem os protestantes na atualidade é de caráter simbólico e não espiritual. Muitas supostas interpretações bíblicas se adéquam à cultura de um grupo e não vice-versa. Em muito daquilo que é tido como manifestação do poder de Deus, nada mais é do que adaptações do indivíduo ao meio em que vive e se encontra. É por isso que um pentecostal não se sente confortável no meio dos tradicionais, assim como estes também não se sentem à vontade em meio àqueles. É o velho confronto entre identidade e alteridade.
A essa altura gostaria de arriscar dois pontos para uma reflexão mais profunda:
2. Minha cultura denominacional é real e nada tem a ver com o espiritual. Precisamos ser honestos nesse ponto. Se eu acho que as representações simbólicas são manifestações da piedade, então isso vale dizer que há somente uma denominação correta nesse mundo em detrimento das demais que estão totalmente erradas e fora do padrão divino. Mas todos concordam que não é assim, ao contrário, todos concordam que os eleitos de Deus estão entre os pentecostais e os tradicionais. Seria bom se os pentecostais concordassem que o pentescotalismo é, acima de tudo, cultural e que o poder de Deus está também entre os tradicionais. Creio que isso seria suficiente para que fosse desenvolvido um tipo de modus vivendi entre as denominações protestantes conflitantes sem que fosse necessário abrir mão das convicções formativas mais particulares (forma de batismo, forma da eucaristia, forma de pregação ou oração etc.).
Seria desnecessário afirmar que creio na conversão dos pentecostais e que estes são meus irmãos em Cristo. Também seria desnecessário dizer que as Escrituras e o Evangelho, como poder de Deus, agem no crente pentecostal que pode, sem problema algum, desenvolver intimidade com Deus. A única coisa que se torna dispensável, de acordo com a minha argumentação nesta postagem é um crente pentecostal pensar que é mais espiritual e mais habitado pelo Espírito Santo que um tradicional pelo simples fato de destoarem no comportamento, ou seja, na cultura denominacional. Volto a repetir, cultura não determina a vida espiritual.
Sei que este assunto é complexo, denso e até mesmo polêmico. Por isso afirmei no início desse texto que se trata de algo que ainda está em construção na minha mente. Sei que necessito interagir com outros pensadores cristãos para que a presente teoria tome forma. Portanto estou aberto ao debate.
Sola Scriptura.