Vivemos tempos difíceis com respeito à coerência entre a vida privada e a vida pública. Não estou me referindo aqui à vida íntima do coração em contraste com a vida exterior, pois como afirmou Sartre, há um ser-para-si e um ser-para-os-outros. Acredito que majoritariamente atuamos para toldar aquilo que o coração pensa e deseja. Por exemplo, mesmo cheio de indignação e de ira, louco para esmurrar a face de alguém, sempre devo tratar o próximo com ética, agir como cavalheiro.
O que desejo refletir aqui é diferente. Algumas semanas passadas eu ouvi uma declaração de uma jovem estadunidense sobre Michael Jackson que dizia: “eu sei que o Michael fez coisas erradas em sua vida privada, mas isso não importa, o que importa é que ele foi o máximo nos palcos, o que importa é o que ele me faz sentir”. Percebam que essa tendência é muito comum hoje em dia, pois para a rede social não importa se a pessoa é um descarado ou bandido, o mais importante é a vida publicada.
São várias as áreas afetadas por esta postura, pois não importa se se trata de um político, um artista, um professor etc. O que importa é o que o fã pensa de seu desempenho, esquecendo-se dos outros comportamentos.
Bem, se o comportamento estivesse circunscrito ao ambiente dito secular, não haveria muito problema, pois o mundo jaz no maligno conforme as Escrituras. Mas o estarrecedor é que tal prática também ocorre dentro da esfera dita evangélica. Conheço irmãos na fé músicos que afirmam existirem alguns cantores do gênero gospel que são adúlteros assumidos e gananciosos contumazes. Há também pastores, bispos, apóstolos, arcanjos, e patriarcas que são gananciosos cuja ambição desmedida os levam a extorquir a boa fé de seu rebanho. “Mas não importa”, dizem alguns, “o que vale é que se trata de pessoas cheias do poder, o que importa é que eles possuem uma pregação profética poderosa”.
Como é triste contemplar a decadência de certa parcela da Igreja onde seus membros tapam o sol com a peneira, permitindo com isso que lobos vorazes e líderes pervertidos continuem tendo atrás de si uma multidão de seguidores que são nada mais nada menos que fãs relativistas. A isso eu chamo de idolatria, pois estão adorando pessoas que não são o que afirmam ser. Essas pessoas em nada se diferem aos povos tribais se encurvam diante de objetos inanimados atribuindo a estes uma qualidade que não existe. Logo, os fãs evangélicos estão praticando o fetichismo.
Quando Paulo orienta sobre a escolha do líder na igreja, há a ênfase na vida privada ao dizer: “vejam a vida dos candidatos, vejam como eles são na intimidade”. Não há dúvidas que a nossa visão sobre os que estão em destaque deve ser holista, não dicotomizada. O pastor deve trazer como currículo a sua piedade em casa, no trabalho, na escola e na família. O que o autoriza publicamente são as suas atitudes privadas. Em contraste, a idolatria fetichista (a redundância é proposital) está se tornando um câncer, pois em nome de uma graça relativa e barateada, muitos se acham no direito de permanecer à frente do rebanho, mesmo que suas atitudes particulares o desaprovem.
Não importa a ganância, a coleção de divórcios, os filhos depravados, a promiscuidade, as mentiras, as difamações devoradoras, as distorções do Evangelho... Não, não importa. O que importa é o que esse líder representa para mim, o que ele me faz sentir, o limite que ele me conduz. O que importa é o que eu sinto, bem como as construções que faço.
Assim como aquela jovem dos EUA não se importava com os escândalos particulares de Michael Jackson, pois o que contava era o que ele representava na vida dela, assim como os eleitores votam afirmando “fulano rouba, mas faz”, assim também agem os que tapam a consciência e continuam acreditando naqueles que são perversos e devoradores dentro da esfera do Evangelho. Que Deus tenha piedade.
Sola Scriptura.
18 comentários:
Esta é uma triste verdade que assola a Igreja, não há uma real preocupação com a verdade, ou melhor um compromisso com o evangelho. Já vi liderança de Igreja ser eleita porque o candidato é um cara legal, ou mais conhecido não uma preocupação com a vida privada(o que ele é realmente). O seu texto é otimo e bem oportuno.
Muito bom meu irmão, estas coisas me tem deixado triste e as vezes fico pensando onde vamos chegar.
Aquele que se gloria glorie-se no Senhor.(I Cor 1:31) Se nossa fé estivesse pautada por esse principio não teríamos a metade dos problemas citados. O problema é que nossas comunidades estão são treinados pela "fé cega", onde não podem questionar como fazia a Igreja de Bereia. Acrescenta-se a falta de leitura das escrituras, pronto, nós temos crentes, não discipulos de Cristo.
Gostei muito do texto.
parabéns,
Sola gratia,
Alfredo,
Muito bom seu artigo. O pragmatismo tem minado de fato muitos setores do cristianismo. É interessante como a Bíblia exige santidade, fidelidade e coerência por parte dos líderes (Tiago 3 e Mateus 7.15-20). Muito pertinente mesmo! Tenho sido muito abençoado pelas suas sábias palavras sempre que leio seu blog. Louvo a Deus pela sua vida! (Veja o que Deus pode fazer com um ogro! - rsrs).
Abraço!
Charles
Querido Célio.
Infelizmente essa triste prerrogativa pertence também à nossa denominação. Há líderes presbiterianos que sequer são crentes devido ao estilo de vida, mas esses tais ocupam cargos importantes na igreja local.
Triste realidade. Que o Senhor nos ajude.
Forte abraço
Cleverton, concordo com você sobre a "fé cega" que se manifesta pelas sensações em detrimento de uma postura minimamente crítica como a dos bereanos. Falta a nobreza que protege.
Forte abraço.
Pois é Charles, se Deus usou uma jumenta, por que não usaria um pobre ogro? (risos)
Forte abraço meu grande irmão.
Caro Anônimo.
É frustrante mesmo essa questão. As vezes me vejo muito desanimado. O meu consolo é saber que o Senhor da Igreja há de preservá-la pura. É mais ou menos como ouvir a resposta dada a Elias em 1 Reis 19: 18.
Um forte abraço.
Alfredo,
Obrigado por mais essa reflexão tão apropriada para nossos dias.
Continuemos nossa luta pela fé entregue aos santos, meu caro amigo!
Abraço,
Caro Alfredo,
Parabéns pelo post! O nosso grande desafio como ministros do evangelho é viver o que pregamos, como também apontar para as ovelhas do nosso Senhor que o cristianismo é uma religião fortemente experimental, ou seja, precisamos viver no dia-a-dia aquilo que afirmamos crer.
Que Deus o abençõe!
Pastor, eu concordo com tudo, mas me preocupa que, buscando conhecer o líder através de suas atitudes, as pessoas se achem aptas também para julgá-los. É um equilíbrio duro de ser buscado e digno de ser alcançado.
Grande Samuel, saudades dos queijinhos que não comi (risos).
Abraço meu grande irmão.
Querido Alan.
Você tocou no ponto nevrálgico da questão. Somos tentados a termos apenas uma boa ortodoxia divorciada da boa ortopraxia.
Pregar todo o conselho de Deus é um desafio que começa em eu falar no púlpito aquilo que vivo.
Que o Senhor continue misericordioso.
Grande abraço irmão.
Minha irmã Ligian.
De fato esse é o grande desafio e concordo com você. O que me conforta é que a Palavra não nos autoriza julgar a intenção do coração humano, mas as atitudes captadas pelos nossos sentidos. É claro que com tremor e temor num espírito semelhante ao de Isaías 6: 5.
Grande abraço a você e ao meu amigão do peito: Charles.
Excelente reflexão Alfredo. Vemos que até mesmo nas igrejas alguns se preocupam mais com a reputação do que com o caráter. É por isso que até mesmo os evangélicos não buscam mais heróis, mas celebridades; não buscam mais entender, mais sentir; não procuram mais o que o Senhor, mas o que funciona para elas. Ó geração incrédula e perversa!
Marcos, o que mais entristece é que isso ocorre também em nossos arraiais. Basta o sujeito ser um bom expositor (ou mesmo pregador) que o critério da reputação em detrimento do caráter passa a funcionar. Triste, muito triste.
Meu caro colega, você tocou no ponto crucial. A verdadeira reforma espiritual, do alto, promove mudanças profundas no interior, no centro, no cerne do ser. Isso reverbera primeiro no particular, com um potencial imenso de se propagar - como ondas sonoras - no geral. Ao ocuparmos os nossos púlpitos, domingo após domingo, contemplamos um auditório e, dentre as muitas pessoas, as nossas esposas e filhos fixamente nos olham. Eis o desafio! Boa reflexão.
Naziaseno, obrigado pelas considerações.
\abraço.
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