Não há como negar que os extremos são expressões do erro que se afastam do verdadeiro. Extremar é embutir a racionalização aristotélica que se sustenta pela visão binária. Quero deixar claro que não estou desprezando o fato de que há situações estabelecidas nos pólos do “ou, ou”. Mas isso não nos dá o direito de superestimar o binarismo grego em tudo que existe. Isso seria extremo.
Não há, sob hipótese alguma, qualquer contradição na revelação contida nas Escrituras. Mas isso não significa dizer que o texto sagrado segue a simetria rígida grega dos opostos em toda a sua extensão, pois há posições que são, aos nossos raciocínios, paradoxais. Defino aqui paradoxo como uma aparente contradição daquilo que é coerente e verdadeiro dentro do postulado revelado por Deus. O paradoxo está em nosso sistema de raciocínio, e não naquilo que foi proposto pelo Criador. Um exemplo disso é a afirmação de que Satanás deve ser visto também como ministro de Deus. “Mas ele não é inimigo do Senhor?” perguntaria alguém. Sim, mas está sujeito às ordenanças e às determinações soberanas, inclusive para sancionar o reto juízo ou a disciplina necessária de Deus para que os eleitos cresçam na fé. Resumindo, a nossa mente é tão finita e tão fortemente determinada pela estrutura de raciocínio ocidental que não conseguimos apreender certos aspectos revelados na Bíblia.
Provavelmente, o maior e mais visível paradoxo que encontramos nas Escrituras oscila entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana. Muito se tem debatido sobre isso e muita heresia humanista se tem criado. Uma delas é o arminianismo que, incoerentemente, afirma que Deus apenas sabe quem vai se converter a Cristo ou rejeitá-lo. Ora, se Deus já sabe que um indivíduo irá se converter em um determinado ano, mês, dia e hora, e se a conversão se dá pela ação do Espírito Santo, eu pergunto: “onde está o livre arbítrio”? Outro pensamento que extrema a oscilação entre soberania e responsabilidade humana é o teísmo aberto, tema que discuto em algumas postagens aqui neste espaço virtual.
O terceiro exemplo que quero tratar aqui é o ponto que me motivou a escrever esta postagem. Refiro-me à heresia destinatária conhecida por hipercalvinismo.
Nem todo mundo compreende o que significa este sistema de pensamento. Certa vez eu conversava com uma missionária enquanto lhe dava uma carona e no meio da conversa ela expressou a sua dificuldade para comigo porque me considerava um hipercalvinista. Espantado perguntei o motivo daquela conclusão e a resposta foi: “você acredita na dupla predestinação”. Ora, a dupla predestinação é uma doutrina bíblica que aparece claramente no Velho e no Novo testamento. Crer desta maneira não significa ser um hipercalvinista.
Hipercalvinismo não é outra coisa senão a teologização do cruel destino que faz de cada ser humano um fantoche destituído de vontade. É a rejeição da totalidade do chamado do Evangelho, negando, nas entrelinhas, a vontade dispositiva de Deus com relação ao ímpio. Assim sendo, o hipercalvinismo nega a necessidade de se pregar o Evangelho a toda criatura ou qualquer obrigação para com o próximo.
Eu, como calvinista que sou, creio que o homem é totalmente depravado e que a sua capacidade de querer seguir a Deus foi destruída; creio que Deus elegeu homens para serem salvos incondicionalmente; creio que Cristo morreu para salvar apenas os eleitos; creio que a graça irresistível é apresentada aos eleitos e, por fim; creio que será preservada, inevitavelmente, a salvação destes eleitos até o final. Mas isso não quer dizer que o meu calvinismo anula o dever que tenho de pregar a salvação de Cristo a toda e qualquer criatura, bem como de contribuir com toda obra missionária séria e comprometida com as Escrituras.
O hipercalvinismo é uma doutrina carnal e diabólica que, em sua estrutura, se apresenta como um anticalvinismo. Se alguém me identifica com tal corrente que desonra o meu Senhor, ficarei ofendido e sentirei muita tristeza.
Para concluir afirmo que minha mente finita não entende a conciliação entre a soberania divina e a responsabilidade humana. Para mim é paradoxal. Todavia este paradoxo gerado em minha subjetividade não anula a veracidade das duas realidades coexistentes que se expressam muito bem nas palavras de Paulo: “Assim, pois, amados meus (...), desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” (Fp 2: 12, 13). Portanto, não deixarei de pregar a toda e qualquer criatura e nem deixarei de orar para que elas sejam alcançadas pela maravilhosa salvação em Cristo. Nem deixarei de crer na expressão contida em Ez 18: 23: “Acaso, tenho eu prazer na morte do perverso? —diz o SENHOR Deus...”
Sola Scriptura
11 comentários:
Alfredo,
Faço coro com você quanto ao hipercalvinismo. Gostaria de dar minha contribuição, fazendo uma observação sobre uma frase anterior sua. Em artigo anterior, sobre a teologia relacional, você disse que "é impossível convergir o fato de que há um Deus Onisciente – que sabe exatamente a hora, dia, mês e ano da conversão de alguém – LIBERDADE HUMANA. Que liberdade é esta já prevista por alguém?" (destaque meu). Não seria melhor a expressão "livre-arbítrio"? Afinal, o calvinismo não nega a liberdade, distinguindo-a do primeiro. O que se questiona é a liberdade autônoma. Creio que, como eu, você crê que, embora Deus tenha predeterminado tudo quanto aconteceu, acontece ou vai acontecer, nem Deus é autor do pecado, nem é violada a vontade humana, nem é tirada a liberdade das causas secundárias antes estabelecidas. Por isso, acho melhor a expressão "livre-arbítrio" em vez de "liberdade". Esta é uma confusão do hipercalvinismo que você com razão critica.
Abraço,
Marcos
Marcão.
Ao utilizar o termo "liberdade humana" eu me referia aos postulados humanistas, mas você tem razão, o termo "livre-arbítrio" comunica melhor.
Obrigado pela contribuição.
Alfredo,
Muito boa a postagem. Parabéns!
Abraço!
Charles
É... tem muita gente querendo ser mais calvinista que Calvino, que jamais concordaria com essa heresia que tem sido atrelada ao seu nome.
Execelente contribuição, Duda!
Abraços!
Heleno
Ouvindo um amigo meu que crê na eleição aprendi muitas coisas, mas não consigo entender ainda que haja eleição.
Veja comigo os seguintes versículos e me expliquem como a "Eleição" se coaduna com eles. Eu creio que devemos acreditar na Palavra… então me mostrem na Palavra e crerei!
"2Cronicas 7.14" Aqui Deus espera uma atitude do povo. Se quando doentes pedirem ajuda à Deus receberão!
Lucas 18.16: o reino dos céus é das crianças. Isso demonstra a visão de Deus sobre discernimento. Ele é justo, porque condenaria alguém q não sabe direito o que é pecado? É isso que vejo nesse texto.
Podem citar efésios 2.8 Pela graça sois salvos, por meio da fé (o que é a fé senão uma convicção humana? Hb 11)
Ainda, quanto a fé, sem obras é morta (claro, não estou dizendo que as obras salvam, mas são um reflexo (se Deus está em você, me mostre seus frutos – Mateus 7.8)
Entendo efésios assim. Deus nos predestinou no sentido "a todos vós chamei, desejo tê-los comigo, mas assim como já dito em Isaías 29.13 procuro pessoas que me adorem e me amem de verdade". Ainda, Deus nos preparou boas obras para ANDARMOS nelas (assim como paulo diz "eu plantei, apolo regou, mas Deus deu o crescimento" – não vejo isso tirando a soberania de Deus)
Ezequiel 33.12-16. Como isso se coaduna com eleição?
Sofonias 3.7: Eu creio que existe a vontade plena de Deus (beneplácito) como a vida de Jesus, não importa oq acontecer, Deus quer e diz "vai acontecer!"
E permissão de Deus… q eh quando depende do homem (ou nesse caso Deus está brincando com o povo dEle? jogando palavras ao vento – reitero que quero aprender, não quero ser ofensivo por favor).
Não acho possível a eleição, mas com humildade venho questioná-los para aprender tudo quanto for bíblico nessa doutrina. A bíblia é um todo com cada versículo poderíamos formular uma doutrina diferente, porém, com todos, podemos formar apenas uma.
Deus abençoe!
Charles e Heleno.
Obrigado pelo comentário.
Grande abraço.
Caro Anônimo.
Vou tomar um texto citado por você, que é Ef 2: 8,9:
"Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras para que ninguém se glorie."
A que o pronome demonstrativo "isto" se refere? Refere-se a fé, ou seja, nem a fé que temos para crer em Cristo vem de nós mesmos, mas vem de Deus, não vem de nossas ações (obras) para que não haja orgulho.
Como diz Rm 3: 10 - 12: "Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer."
É bom salientar que a soberania divina não anula a responsabilidade humana. Mas em termos de salvação, somente os eleitos serão transformados pelo Evangelho.
Grande abraço.
Caro Irmão Alfredo
Parabéns pelo post, que Deus continue a te usar.
Preciso que você esclareça a última frase citada na resposta acima:
"É bom salientar que a soberania divina não anula a responsabilidade humana. Mas em termos de salvação, somente os eleitos serão transformados pelo Evangelho."
O que seria pra vc responsabilidade humana?
Caro Irmão em Cristo
Parabéns pelo seu post.
Mas por gentileza o que você quis dizer com responsabilidade humana na ultima frase citada abaixo:
"É bom salientar que a soberania divina não anula a responsabilidade humana. Mas em termos de salvação, somente os eleitos serão transformados pelo Evangelho."
Qual seria a base bíblica ao dizer que somente os eleitos serão transformados pelo evangelho?
Um grande abraço...
conheço muitos que ante de se "converterem" ao calvinismo eram pessoas ativas na obra do Senhor, tinham grande prazer em reuniões de oração onde a igreja era convocada para buscar a presença do Senhor, não faltavam aos cultos liam a bíblia e meditavam no que liam, amavam evangelizar e perseveravam na om comunhão com Deus e os irmãos; hoje os mesmos são pessoas completamente mudadas, tornaram-se completamente inoperantes na obra do Senhor, não oram, raramente leem a bíblia e quando o fazem é apenas com o pretexto de discutir com alguém, dificilmente vão aos cultos, não têm a palavra do Senhor como sua fonte primária de autoridade valorizando antes livros de teólogos, e ainda gostam de esnobar os outros que não se coadunam com seus pensamentos, acham-se os maiores conhecedores e donos da verdade, além de desobedecerem seus líderes.Não creio que seja culpa da teologia A ou B, mas creio que essas pessoas apostataram da fé.Gostaria de saber a opinião do irmão quanto a isso.Grande abraço!
Caro Thiago,
Eu comheço casos de pessoas que, uma vez entrando ao calvinismo, se tornaram pessoas mais gratas a Deus, fervorosas, e que tiveram maior confiança e prazer na evangelização.. Realmnte nao é a teologia A ou B, mas com ctz a pessoa nao entendeudireito tal doutrina. Digo isso pq a linha reformada garante que a eleição jamais deve ser usada como pretextopara ociosidade. Pelo contrario, se ele passou a demonstrar tal comportamento, existe forte indicio de q ele ainda precisa ser convertido verdadeiramente.
Abç!
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