O QUE É SER EVANGÉLICO?

Carta fictícia a uma moça que se orgulha de ser evangélica no atual contexto brasileiro.

"Cara Eva Angélica .

Obrigado por escrever e por se interessar por minhas escolhas e pelo meu estilo de vida conforme o Evangelho de Cristo. Obrigado pelas fotos e também por informar sobre a sua atuação como presbítera e a maneira, segundo sua definição, "poderosa e ungida" como conduz a igreja. Devo dizer que discordo cabalmente de tudo, mas obrigado assim mesmo.

Você me perguntou por que não me considero mais um “evangélico” desde o ano de 1996. E me perguntou ainda o que há nos evangélicos que me afasta cada vez mais do tal título.

Bem, em primeiro lugar devo dizer que há muita gente e instituições sérias e bíblicas que são identificadas como evangélicas. São um grupo raro e escasso de pessoas que buscam uma vida piedosa e comprometida com Deus, a estes eu chamo de evangélicos-crentes. Seria leviano de minha parte generalizar, portanto o meu problema não é com este pequeno e raro grupo. A| minha dificuldade é com os demais, ou seja, com o grande curral que abriga o grupo cristão-evangélico que usam o título por não se considerar cristão-católico ou cristão-espírita.

Eva, não há como negar que o termo “evangélico” hoje está esvaziado de conteúdo e definição. Para provar isso, acompanhe comigo e veja algumas características estarrecedoras, lembrando que tais características não incluem o grupo evangélico-crente supracitado.

Começo falando sobre o pecado que não é mais tratado com arrependimento e desejo por santificação. A moda agora é exorcizar os espíritos do adultério, da mentira, da maledicência, da inveja etc. Ou seja, não há mais pecadores, mas sim vítimas inocentes possessas por espíritos imundos, e a única maneira de "santificá-los" é através da "palavra poderosa de exorcismo" ou como preferem: de "libertação". Isso, Eva, é ser evangélico.

Menciono também o fato de que a autoridade não está mais na exposição das Escrituras, aliás, não há mais pregação da Palavra. E para preencher este vazio de autoridade, os mais escabrosos títulos são conferidos: bispo, apóstolo, arcanjo, patriarca. Resumindo, se não há mais a autoridade da Palavra então que haja, pelo menos, a "autoridade" do título. Isso é ser evangélico.

Os cultos não são mais direcionados reverentemente ao Senhor Deus, são realizados para o deleite humano por meio de sessões que incluem exorcismo, mantra, êxtase, apelos, auto-ajuda, cura de enfermidades etc. E em meio a tudo isso, o Deus Todo-Poderoso é transformado em mero coadjuvante que potencializa todo o poder dos dirigentes de tais cultos. Mais uma vez, isso é ser evangélico.

Artefatos sagrados e relíquias são amplamente utilizados para a libertação de seus usuários. Desde as réplicas da Arca da Aliança aos óleos “consagrados”, tudo se transforma em objetos que possuem poder em si mesmos, basta tocá-los ou colocá-los em contato com alguma peça de roupa de outrem para que o milagre ocorra. Isso também é ser evangélico.

O princípio de autoridade masculina é abalroado com a existência de pastoras, bispas (sic)[1], apóstolas[2] e até matriarcas que mandam ver nas igrejas, principalmente nos cultos. O esquema divino (que inclui em ordem de autoridade, Pai, Filho, homem e mulher, conforme 1 Co 11: 3) é totalmente destruído. Embora isso tenha início nas comunidades liberais, não há como negar que hoje tal prática também significa ser evangélico.

A simplicidade dos ministros da Palavra é substituída pelos famosos “evangelistas” que ficam milionários cada vez mais, e cada vez mais caçam dinheiro para financiar seus mega projetos pessoais e profissionais que incluem aviões, horários em televisão, editoras, gravadoras, carrões, mansões e tudo que possa existir de caro e dispendioso. Isso, minha cara, é ser evangélico.

As igrejas estão abarrotadas de super-heróis da fé que negam para si a condição de humilhação, de enfermo, de pobre, de alguém considerado como ovelha para o matadouro, de perseguido, enfim, negam o conteúdo do Evangelho pregado pelo Senhor Jesus e pelos apóstolos. Aliás, estes passariam longe daquilo que hoje é considerada uma vida abençoada. Essa heresia também é ser evangélico.

A soberania divina há séculos é combatida pelos humanistas que se disfarçam de cristãos. São os que afirmam que Deus não possui nenhum controle sobre a vontade humana, ao contrário, o homem é que possui o controle de si mesmo por meio do “livre-arbítrio”. Aliás, o que existe no Trono do céu é a total desinformação sobre a criatura e sobre o tempo futuro. É o teísmo esgarçado que humaniza a mente de Deus e eleva a mente humana ao divino. Não há como negar Eva que isso é ser evangélico.

Ao contrário dos antepassados bíblicos que denunciavam a corrupção dos reis e governadores, hoje a moda é posar ao lado de autoridades, fazer campanha partidária dentro da igreja em tempos de eleições e afirmar que os evangélicos devem invadir Brasília, bem como os palácios estaduais e municipais para que Deus possa agir na sociedade. Bem, nem vou dar-me o trabalho de comentar essa tolice, o que ressalto apenas é a vergonha da corrupção evangelicalizada que ora agradecendo o ganho de propina para trocar o piso da igreja ou para pagar mais uma prestação da Rádio Emissora Gospel adquirida pelo "irmão" político. Isso tem sido a política partidária evangélica.

E o que falar da música gospel? Um horror! O que há de mais grave nisso é a confusão instaurada hoje que transforma o show em culto e o culto em show. Os cantores evangélicos realizam um desserviço ao verdadeiro Evangelho, não só por disseminar heresias e blasfêmias, mas por nos obrigar a conviver com um tipo de música-porcaria que está alinhada com a música-lixo que toca na maioria das rádios hoje. Se for gospel então é evangélico.

Bem, creio que devo parar por aqui para evitar que minha carta se torne um “classificados” e você não passe da metade, pois ser evangélico é ler pouco e cantar muito, daí o ser raso e antibíblico.

Querida Eva, espero ter sido claro na minha argumentação em demonstrar o paganismo que se instaurou nesse meio. Quanta gente vive enganada e quanta vergonha passamos nós por causa desse grupo. Meu desejo sincero é que você reflita um pouco mais e faça um contraste entre a Palavra de Deus e os evangélicos no Brasil. Tomara que você mude de opinião!

Forte Abraço.

Alfredo."

Sola Scriptura


[1] O feminino de bispo é episcopisa.
[2] Para muitos gramáticos, o termo apóstolo não possui feminino por se tratar de um substantivo sobrecomum.

13 comentários:

Carlos Alexandre disse...

Muito boa!
Abraços, amado Pastor.

Eli Medeiros disse...

Querido Alfredo,
bela reflexão. Quem a lê, vai imaginando as cenas pela clareza das argumentações e pela leveza da linguagem. Deus o abençoe ricamente, sustentando-o nas posições que servem ao Reino e no combate aos desvios da atualidade.
Um grande abraço,
Eli Medeiros

Moisés Araujo dos Santos disse...

ALFREDO, OBRIGADO E PARABENS PELOS TRABALHOS ENVIADOS. QUANDO POSSÍVEL, MANDA PARA O ELTON, HOJE ELE
É O PASTOR EFETIVO DA IGREJA DA BELA VISTA.

Um abraço.

Natália Sousa disse...

‎"a vergonha da corrupção evangelicalizada que ora agradecendo o ganho de propina para trocar o piso da igreja ou para pagar mais uma prestação da Rádio Emissora Gospel adquirida pelo "irmão" político. Isso tem sido a política partidária evangélica."

contundente.

José Rodrigues disse...

Irmão Alfredo, muito bom!

Deus nos abençoe

tania cassiano disse...

Pastor,
Não retiro uma vírgula.
Deus o abençoe.
Abs.

Anônimo disse...

Oi, Alfredo,

Finalmente descobri como traduzir seus artigos em ingles!! Seu portugues eh maravilhoso mas leva muito tempo para eu ler e entender tudo:) Que Deus continue lhes abencoando!!

Abraco, Dianne.

Anônimo disse...

Também gostei muito ... corajoso e necessário .

rev ronaldo bezerra

Beth disse...

Pastoras? Bispas? Matriarcas? e pra que essa indumentária toda? De onde essas "varoas ungidas" tiraram essa ideia? Da Bília sei que não foi.

Kerwin Muriel disse...

Concordo em gênero, número e grau!!! Onde assino? Paz do Senhor Pastor!!!

radioipbibaiti disse...

Graça e Paz, parabéns pelas citações... confesso que o que escrevo nesse exato momento o faço em pranto exclamando, DEUS o que há conosco, por que estamos agindo assim, por que como Suas criaturas não nos colocamos no devido lugar e deixemos que o Rei sejas Tu, por que O decepcionamos com nossa arrogância e altivez, por que queremos que a nossa palavra seja a verdade menosprezando JESUS que é a única verdade!!! poderia eu continuar por muito mais tempo, mas, só me resta dizer, PAI perdoa-nos pois não sabemos o que fazemos...

Anônimo disse...

Prezado Pastor Alfredo,

Achei seu texto muito interessante - posso dizer que concordo com quase tudo o que você apresenta aqui. Tenho porém apenas uma dificuldade com a resistência frente o papel das "mulheres" na Igreja. Confesso que não consigo entender o porque que as mulheres não podem ser ordenadas ao ministério. Me parece que em Romanos Paulo escreve uma carta(acho que cap.15)onde faz referencias a várias mulheres dando a entender que estas exerciam um papel de liderança nas primeiras comunidades cristãs, ao menos em Roma). Por outro lado, não consigo perceber essa hierarquia de gênero da qual o senhor fala. Ora, sejamos honestos, todos nós sabemos que há que se considerar o contexto em que foi escrito os textos do NT. Querendo ou não, a influencia Judaica é muito forte em algumas posições tomadas pelos apóstolos. Todos nós sabemos que no mundo judaico antigo a mulher não tinha tanta expressão assim - uma sociedade extremamente patriarcal. Entendo que Deus criou macho e fêmea, fazer tal distinção, ao menos nos direitos ao ministério, me parece um tanto complicado. Todos nós sabemos, as mulheres sempre foram excluídas em diversas sociedade. Até pouco tempo essas nem tinham direito ao voto no Brasil e parte da Europa. As mulheres tem, aos poucos, conquistado um espaço com muito sacrifício. Assim, entendo que manter um ministério somente e exclusivamente para homens, não me parece ajudar em nada. E francamente, na boa, com todo respeito, acho que Deus tem coisas mais sérias para se preocupar. Para mim, a insistência em um ministério exclusivo só para homens, denota uma má vontade de aceitar a realidade, uma dificuldade de romper com "dogmas" humanos, constructos sociais. Espero que o senhor compreenda minhas posições.

At,
Ivan Fraga

Pb Fernando disse...

Pr. Alfredo a paz do Senhor!

Belíssimo comentário. O termo evangélico está tão saturado, que até atriz pornô hoje é chamada de evangélica

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