AVATAR - O CONFLITO DA VIDA


Nas primeiras duas semanas do ano, aproveitei para tirar umas férias com a família. Nesse meio tempo precioso de comunhão familiar, descanso e entretenimento, fomos assistir a tão comentada obra de James Cameron. Trata-se do filme Avatar, pertencente à Twentieth Century-Fox Film. Não posso negar que me surpreendi pela magnitude das cenas, pela exuberância das personagens e pelo roteiro que, de fato, convence.
A trama ocorre em Pandora, um planeta onde a natureza impera majestosamente. Ali vive um povo nativo, os Na’Vi, e os invasores vindos do planeta terra que buscam, sem medidas, um mineral precioso, o unobtainium. Esse é o contexto de uma luta sangrenta onde as fortes máquinas terráqueas esmagam os moradores das selvas. Nesse ínterim há os avatares, seres criados biogeneticamente em laboratórios que vivem à custa do seu doador de material genético. Não podemos negar a influência dos atuais avatares virtuais tão em moda hoje em dia entre os internautas.
Como assisti ao filme, tomo a liberdade de fazer algumas considerações.
Ao analisar a obra de Cameron, ficou-me a sensação de que o filme possui a assessoria de profissionais da área de antropologia cultural pelo forte apelo étnico. Aliás, os Na’Vi mais parecem uma junção de todas as etnias indígenas das terras baixas, com pitadas de povos africanos e malaio-polinésios. Nesse embate entre nativos e invasores, temas comuns e previsíveis podem ser percebidos como, por exemplo: 1) o panteísmo, que faz da natureza uma mãe personificada; 2) o claro contraste entre a ligação vital entre os Na’Vi e a natureza, que resulta em veneração e conexão com o meio-ambiente, contrastada com a total alienação dos humanos gananciosos, promotores do caos e da destruição; 3) outros paralelos apresentados estão entre religião tradicional e ceticismo vulgar dos invasores; e entre a lógica racionalista e a lógica nativa carregada de espiritualismo; 4) por fim, há um claro reconhecimento por parte do roteirista do mea-culpa histórico quanto às invasões e chacinas feitas no passado distante e recente, uma vez que os terráqueos invasores são os vilões da trama.
Estes (e outros mais como: o animismo, o perspectivismo, o totemismo etc.) são pontos que podem ser explorados com mais atenção e cuidado, pois a quantidade de subtemas no desenrolar da trama é tão superlativa quanto o próprio filme como um todo. Mas há apenas um ponto que eu gostaria de refletir aqui. Refiro-me ao drama do fuzileiro naval paraplégico Jack Sully, personagem vivida pelo ator estadunidense Sam Worthington. Aqui, especificamente, pude perceber um aspecto que nos leva a discussão filosófica e teológica sobre o tema humanidade/perfeição. O termo “humanidade” aqui deve ser entendido como essência que está visceralmente acoplada às máquinas, ou seja, à artificialidade.
É notória a crise vivida pela referida personagem que usufrui (quase que acidentalmente, diga se de passagem) dos dois mundos existentes: o humano e o Na’Vi. Como humano, Sully é desprezado (é o que se deduz pela atitude da pesquisadora Grace Augustine, personagem de Sigourney Weaver) por sua condição de ex-combatente debilitado, truculento e interesseiro; como Na’Vi, é o escolhido por sua coragem, perfeição, leveza e destino. A tensão criada pelas duas “realidades” humana/Na'Vi é o fio condutor da trama.
De início, a natureza humana ocidental de Sully, como um ser bruto e deficiente, prevalece. Mas, pouco a pouco, tal natureza passa a ser suplantada pela essência Na’Vi que, segundo o enredo, é perfeita e equilibrada (será que a cor azul dos Na’Vi tem a ver com a doutrina da "pureza do ser" em algumas religiões hindus?). No final, vence esta perfeita e equilibrada, protagonizada pela esguia Neytiri (sob a voz da atriz Zoë Saldana). Conseqüentemente, a vitória ocorre em detrimento da essência brutal e defeituosa, essência esta que possui como paradigma extremo o Coronel Quaritch (vivido pelo ator Stephen Lang).
Há alguns aspectos a serem mencionados: tudo indica que a mensagem de Cameron ensina que a depravação decorrente do pecado faz parte apenas da sociedade ocidentalizada, tecnocrata, viciada e gananciosa, uma vez que houve o afastamento do lírico e das conexões espiritualistas para com a “mãe” natureza ao longo dos séculos. Já a cosmovisão nativa, por sua simplicidade, alinha-se com perfeição ao equilíbrio natural que se evidencia nas vinculações capilares (os Na’Vi se conectam com os elementos da natureza pelos cabelos), fazendo com que sejam um com a “mãe” natureza.
Fica clara a ideologia de que a perfeição está localizada no misticismo, nas religiões tribais e na polissemia panteísta, tudo arraigado às várias roupagens religiosas como, por exemplo, o ecocristianismo. Muitos setores da rede social são influenciados por essa concepção que, historicamente, tem seu início na era Beatles e Woodstock, tendo a sua continuidade nos vários setores de comunicação de massa como boa parcela dos filmes estadunidenses. Como exemplo, cito as mensagens messiânicas atuais que tanto exploram o tema aqui abordado. Lembremo-nos da trilogia Matrix (dos irmãos Wachowski) ou a tetralogia Terminator (coincidentemente criada por Cameron e, no último filme da série, interpretado por Worthington) que tratam dessa tensão entre humanidade/perfeição.
Tudo isso, porém, quando contrastado com as Escrituras, revela-se como uma mensagem pecaminosa cujo lema é o enfraquecimento do Evangelho. Não há nenhum setor da vasta rede social onde a perfeição e o equilíbrio se apresentem como parte da natureza humana. A depravação total é característica, tanto do homem ocidental, como do Ribeirinho, do monge tibetano, do Sawi, do Yanomami, do Balanta, ou de qualquer outro ser humano que existe ou que já existiu. Perfeição somente em Cristo quando os eleitos passarem a usufruir do corpo glorificado na eternidade.
Em Romanos 3: 12 encontramos claramente que “todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer”. Não há etnia ou povo que, pela sua religião vegetada, misticismo animal ou espiritualismo telúrico, tenha uma vida de equilíbrio e coerência. É nesse sentido que o Evangelho deve ser pregado a toda criatura, pois todos pecaram. A possibilidade de se presenciar dois mundos: um corroído pela ocidentalidade, e o outro puro pelo contato com a “mãe” natureza, como insiste a maioria dos antropólogos e místicos, é ilusão frustrada, é uma mentira facilmente demonstrável.
Quero concluir dizendo que a super produção de Cameron é muito boa, vale a pena assisti-la. Mas isso deve ser feito, desde que estejamos vacinados contra as ideologias sutis alinhavadas no enredo. Para ser honesto, não tenho certeza se Cameron pensou em tudo isso que acabei de abordar, não sei se ele tinha a intenção de promover a ideologia ora discutida. Mas pelo menos foi isso que saltou aos meus olhos. E, convenhamos, seria muita coincidência não haver nenhuma intenção nesse sentido por parte dos produtores, não só pelo passado profissional de Cameron, mas também pelas tendências encontradas, tanto nas academias, como nos encontros furtivos nas matas onde se bebe alucinógeno e se venera a fauna e a flora.
Sola Scriptura

9 comentários:

Anônimo disse...

Bem legal sua postagem sobre o filme Avatar. Concordo com tudo, genero numero grau e vizinhança do que vc disse.

A única coisa que discordo é o seguinte: na minha opinião o diretor James Cameron não está interessado em pregar a filosofia ambientalóide, o objetivo dele é apenas o sucesso e o lucro. Penso que ele, para não deixar o filme sem uma lição de moral apenas utilizou esse discurso de mãe natureza ( inegavelmente politicamente correto para não correr o risco).

Ele só nao contava que a crítica ia intepretá-lo mal, por dar a impressão de que o filme é racista.

Quanto à análise do caráter religioso que permeia a filosofia ecologista, seu post foi bem informativo, pois tem muitos crentes que nunca percebem o quanto esse discurso é impregnado de ideologias.

Ab.

Marcelo Alt

Anônimo disse...

Gostei da sua avaliação, meu caro Alfredo, parabéns. Tanto os aspectos teológicos, como a sensibilidade antropológica de avaliação da cosmovisão transpassada pelo filme, pois embora não seja novidade tal conceituação, é apreciável a descrição, que caminha na linha da expressão da linguagem compatível com os que estão fora do meio evangélico.

Julgo um dos nossos maiores desafios apresentarmos a nossa visão (cosmovisão) em linguagem clara, atual e adequada ao meio mais amplo no qual como Igreja estamos inseridos.

Gostei do que li, parabéns! Pulei alguns detalhes sobre o filme porque quero ter o gostinho da surpresa quando for vê-lo. Fraternalmente,

Raimundo.

Rev. Ageu Magalhães disse...

Caro Rev. Alfredo. Parabéns pela avaliação. Boa munição para nós e nossos jovens exercermos senso crítico cativo às Escrituras. Forte abraço, Ageu.

Alfredo de Souza disse...

Queridos Raimundo e Ageu, obrigado pelas considerações.

Alfredo de Souza disse...

Marcelinho, em meu texto afirmo: "Para ser honesto, não tenho certeza se Cameron pensou em tudo isso que acabei de abordar, não sei se ele tinha a intenção de promover a ideologia ora discutida", nesse aspecto, você pode ter razão. Isso é algo que não saberemos com segurança.

JOSE J AZEVEDO disse...

Prezado Alfredo,

Gostei de sua reflexão sobre o filme Avatar - que ainda não vi. Pelas imagens que vi na TV senti certa rejeição pelo mesmo - porém depois de seu comentário fquei curioso. Temos em comum o gosto pela teologia e missões bem como por história. Está convidado prá visitar nosso blog:
http://gospelnoticiaspontocom.blogspot.com/
UM ABRAÇO FRATERNO

José J Azevedo

Alfredo de Souza disse...

Caro José, obrigado pelas considerações. Obrigado pelo amável convite, certamente visitarei o seu Blog.

Abraço.

Pr Damasceno disse...

Caro Alfredo, a paz...

Li e gostei... depois, com calma, vamos aprofundar alguns conceitos, que entendo que merecem destaque no filme.

Fazer uma crítica social e teológica numa obra que foi criada e pensada para para conquistar a "gregos e troianos", não é fácil.

Parabéns, você conseguiu.

Ah, já estou seguindo seu blog. Se me der o prazer de seguir o meu, serei grato.

Nos laços do Calvário,
Prof Damasceno
www.profdamasceno.blogspot.com

Alfredo de Souza disse...

Caro Prof. Damasceno, obrigado pelas palavras de incentivo.

Deus o abençoe!

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