Muito se discute sobre a comemoração do Natal
quando igrejas realizam apresentações, encenações ou mesmo o culto natalino.
Reconheço que o tema não é simples de se resolver uma vez que muitos cristãos
estão divididos acerca do tema. Por exemplo, não nego que haja elementos do
Evangelho envolvidos na celebração natalinas e é nesta constatação que se
apoiam os defensores do 25 de Dezembro
e das comemorações que circundam esta data. Mas seria isto suficiente para
justificar o envolvimento das igrejas com as celebrações natalinas? Tentarei
responder a esta pergunta ao longo deste texto reconhecendo, claro, que o
terreno é minado. Também sei que haverá todo tipo de reação e, neste sentido,
lamento por aqueles que se sentirem ofendidos, embora não seja esta a minha
intenção principal. Desejo apenas ser o mais honesto possível com o objetivo de
promover a reflexão e o debate respeitoso sobre o assunto.
Inicio citando a intrigante frase atribuída a
Orígenes que diz:
"... não vemos nas
Escrituras ninguém que haja celebrado uma festa ou celebrado um grande banquete
no dia do seu natalício. Somente os pecadores (como Faraó e Herodes) celebraram
com grande regozijo o dia em que nasceram neste mundo".[1]
A frase acima evidencia a ausência da Missa
do Galo ou de qualquer serviço religioso natalino até meados do século III,
época de Orígenes. A própria Igreja Católica Romana entende que:
Quanto à data tradicional de 25 de Dezembro, já adoptada em
Roma no ano 336, terá sido escolhida como forma de substituir, por uma festa cristã,
a festa pagã do Natalis Solis Invictis,
instituída pelo imperador Aureliano, em 274, celebrada no Solstício de Inverno,
9 meses depois do Equinócio da Primavera, a 25 de Março, segundo o Calendário
Juliano. Na Igreja do Oriente, o Natal, como manifestação ou “Epifania” de
Jesus, celebra-se no dia 6 de Janeiro; e mesmo hoje, em alguns países, como a
Espanha, é neste dia que se trocam as prendas de Natal.
E o Natal como um todo? Bem, não são mais
novidade os argumentos sobre a origem pagã dos festejos natalinos, já escrevi
sobre isto. Todavia, eu os trago de volta para reforçar o meu
argumento.
A data do 25 de Dezembro é explicada por Schaff-Herzog que
diz:
As festividades pagãs de Saturnália e Brumália
estavam demasiadamente arraigadas nos costumes populares para serem suprimidos
pela influência cristã. Essas festas agradavam tanto que os cristãos viram com
simpatia uma desculpa para continuar celebrando-as sem maiores mudanças no
espírito e na forma de sua observância. Pregadores cristãos do ocidente e do
oriente próximo protestaram contra a frivolidade indecorosa com que se
celebrava o nascimento de Cristo, enquanto os cristãos da Mesopotâmia acusavam
a seus irmãos ocidentais de idolatria e de culto ao sol por aceitar como cristã
essa festividade pagã.
Recordemos que o mundo romano havia sido
pagão. Antes do século IV os cristãos eram poucos, embora estivessem aumentando
em número, e eram perseguidos pelo Império e pelos pagãos. Porém, com a vinda
do imperador Constantino (no século IV) que se declarou cristão, elevando o
cristianismo a um nível de igualdade com o paganismo, o mundo romano começou a
aceitar este cristianismo popularizado e os novos adeptos somaram a centenas de
milhares.
Tenhamos em conta que esta gente havia sido
educada nos costumes pagãos, sendo o principal a festa de 25 de dezembro. Era
uma festa de alegria muito especial. Agradava ao povo. Não deveria ser suprimida.[2]
A isto foi acrescentada a Missa do Galo uma
vez que nos festejos pagãos que antecederam as comemorações natalinas a ave era
vista como aquilo que anunciava com o seu
canto o nascer do sol, divindade venerada após
o longo período de inverno.[3]
Há quatro símbolos indeléveis nas festividades
natalinas: a árvore, a guirlanda, o presépio e o Papai Noel. Vamos
resumidamente avaliar cada um.
A árvore de Natal é amplamente utilizada em
Dezembro embora não haja nenhuma ligação com o Evangelho de Cristo. Não há uma referência
sequer no Velho ou no Novo Testamento que ordene ou incentive a utilização
deste símbolo. Pelo contrário, como a árvore era local de adoração pagã ou era ela
mesma adorada por muitos povos da antiguidade na época do Velho Testamento,
Moisés advertiu o povo dizendo:
Moisés disse ao povo:
—São estas as leis e os mandamentos a que vocês deverão obedecer todo o tempo
que viverem na terra que o SENHOR, o Deus dos nossos antepassados, vai dar a
vocês. Depois de expulsarem os povos daquela terra, arrasem completamente todos
os lugares onde eles adoram os seus deuses, tanto nas montanhas como nas
colinas e debaixo das árvores que dão sombra. Derrubem os altares, quebrem as
colunas do deus Baal, cortem os postes-ídolos e queimem todas as imagens, para
que ninguém lembre mais dos deuses daqueles povos. —Não adorem o SENHOR, nosso
Deus, do jeito que aqueles povos adoram os seus deuses.[4]
E ainda:
Não estabelecerás
poste-ídolo, plantando qualquer árvore junto ao altar do SENHOR, teu Deus, que
fizeres para ti. Nem levantarás coluna, a qual o SENHOR, teu Deus, odeia.[5]
O profeta Oséias, séculos depois, registra os
mesmos hábitos pagãos ligados à árvore ao relatar que os povos pagãos:
Sacrificam sobre os cumes dos montes, e
queimam incenso sobre os outeiros, debaixo do carvalho, e do álamo, e do
olmeiro, porque é boa a sua sombra; por isso vossas filhas se prostituem, e as
vossas noras adulteram.[6]
É inegável o poder simbólico que a árvore
exercia na antiguidade, fazendo com que o Senhor Deus ordenasse para que a Igreja
no Velho Testamento não imitasse os costumes idólatras.
Mas a nossa velha conhecida árvore com suas
cores e luzes tem origem em eventos mais recentes como nos povos nórdicos que adoravam
o carvalho como símbolo de Odin e de seu filho Thor. No inverno estas árvores desfolhadas
eram enfeitadas com o intuito de preservar a presença das divindades naqueles
locais. Já os romanos trocavam ramos na época das calendas de Janeiro como
sinal de sorte, costume este que foi adotado na
Inglaterra para celebrar o Natal.
Mas foi a partir do século
XVII com os alemães – antigos adoradores do pinheiro como ente forte e resistente
na época dos rigorosos invernos – que as árvores passaram a ser enfeitadas com
frutas, imagens de anjos, estrelas, pequenos brinquedos e velas acesas. Também
foram os alemães que colocaram a árvore dentro de casa influenciando os
ingleses no século XVIII e, posteriormente, o continente americano.
O uso
da guirlanda, totalmente ausente no Evangelho de Cristo, tem origem entre os
romanos que já ofereciam ramos como sinal de sorte conforme supracitado. Alguns
destes ramos eram tecidos em forma de coroa (estefânia ou simplesmente
guirlanda) para serem colocadas nas principais portas como forma de atrair saúde
a todas as pessoas da casa, além de ser uma representação dos espíritos da
natureza.
Já o presépio, tão comum entre nós, foi inventado no Natal de 1223 por Francisco de Assis que
desejava adorar a José, Maria e o próprio Cristo. A encenação, que incluía um
burro e uma vaca, era parte ativa na Missa do Galo. Anos mais tarde os nobres
católicos passaram a montar a cena nas casas com a finalidade de adorar as
imagens ali existentes.[7]
O presépio, portanto, fazia parte do conjunto de imagens adoradas pelos
católicos romanos.
Papai Noel não é outro senão São Nicolau de Mira da Ásia Menor que viveu no século IV. Sua fama
foi disseminada na Holanda que o transformou em patrono da infância. A partir
daí as crianças passaram a crer que o santo era responsável pelos presentes que
recebiam no Natal. A atual imagem popular do Papai Noel com seu trenó foi
criada pela Coca-Cola Company para fins comerciais.
Agora eu pergunto: o que
tudo isto tem a ver com o Evangelho de Cristo? Sejamos honestos na resposta: absolutamente
nada! E o mais constrangedor é ver tantos crentes defendendo o 25 de Dezembro como
comemoração do nascimento de Cristo[8]
e adoração por parte dos fiéis[9].
A apologia em favor do Natal é inócua e incoerente uma vez que possui a sua origem
no paganismo. Veio de lá dos pagãos e a eles pertence! Esta é a razão porque os
povos pertencentes às mais variadas religiões celebram o Natal. Da Venezuela ao
Japão, da Papua Nova Guiné à Rússia, do Brasil à Tailândia, todos se encantam e
comemoram as celebrações natalinas. Até mesmo os ateus desejam a paz, a
harmonia, o amor e a solidariedade resumidos na frase Feliz Natal (felicitação que até hoje não sei o significado). Diante
disto tudo alguns cristãos se gastam em afirmar que o Natal é de Cristo.
Incoerência histórica numa luta inglória.
Há dois aspectos importantes
que considero graves. Na verdade um grave e outro extremamente grave. O
primeiro diz respeito à utilização dos símbolos natalinos no local do culto.
Árvore enfeitada, guirlandas e presépios são de origem duvidosa. E por mais que
os defensores digam que hoje tudo está ligado ao nascimento de Cristo, se fizermos
uma análise mais profunda veremos que isso não é verdade. Em qualquer casa, em
qualquer templo, em qualquer espaço urbano encontramos estes utensílios que são
interpretados como elementos do espírito de natal, seja lá o que isto
signifique. Por que então utilizar estes adornos no local da adoração à Cristo,
adornos estes que nasceram e permaneceram no paganismo?
Não estou dizendo que a
beleza da decoração utilizada no mobiliário urbano, nas lojas ou nos centros de
compras não deva ser admirada. O que estou dizendo é que não é de bom tom trazer
esta decoração ao local de culto ao Senhor Deus. Árvore, guirlanda e presépio
são imagens e ídolos de divindades e do próprio Cristo. É claro que os crentes
não adoram e nem veneram estas imagens, eu sei disso. Dificilmente veremos um
crente se ajoelhando diante da árvore, da guirlanda ou do presépio. Mas isto
não diminui o problema, pois, se pensarmos assim, então não é errado enfeitar o
salão de culto com hóstias, com o esquadro e o compasso, com uma réplica da
estátua do Cristo Redentor ou com o crucifixo contendo uma imagem de Cristo
morto, afinal de contas não serão objetos de adoração.
O segundo e último ponto que
considero gravíssimo é a violação do dia do Senhor com apresentações musicais e
encenações. O culto solene foi instituído para adorar ao Senhor da forma como
ele ordenou. E – a não ser que se aplique o princípio normativo do culto,
posição diferente daquela que os reformados defendiam, a saber, o princípio
regulador do culto – nada pode substituir o que diz a nossa Confissão de Fé:
A leitura das
Escrituras com o temor divino, a sã pregação da palavra e a consciente atenção
a ela em obediência a Deus, com inteligência, fé e reverência; o cantar salmos
com graças no coração, bem como a devida administração e digna recepção dos
sacramentos instituídos por Cristo - são partes do ordinário culto de Deus,
além dos juramentos religiosos; votos, jejuns solenes e ações de graças em
ocasiões especiais, tudo o que, em seus vários tempos e ocasiões próprias, deve
ser usado de um modo santo e religioso.[10]
Também creio que os
chamados cultos natalinos realizados em qualquer dia da semana são
problemáticos por não haver nenhuma ordenança no Novo Testamento sobre este
assunto. Mais uma vez lembro que a posição reformada é a do princípio
regulador do culto. Além disso, desconfio que a Missa do Galo, de alguma
forma, seja a inspiração para esta prática, mesmo que indiretamente.[11]
Como disse na
introdução, o assunto não é fácil além de suscita a indignação em muitos que
rapidamente rotulam ironicamente a presente posição de neopuritana. Bem, não
sou neopuritano, sou apenas alguém que busca coerência nas Escrituras e nos
símbolos de fé, além de admirar a piedade puritana do passado. Apenas busco ser
criterioso naquilo que as Escrituras ordenam. Isto não significa que nós,
crentes, não possamos jantar ou almoçar com familiares e amigos descrentes ou
até aproveitar estrategicamente a data para evangelizar pessoas. Assim como
podemos utilizar estrategicamente a semana da pátria, o dia da consciência
negra, o carnaval, o dia do trabalho, um torneio esportivo e por aí vai, nada
contra aproveitar a comemoração pagã do Natal para evangelizar alguém o
apresentando ao verdadeiro Evangelho, ao verdadeiro Cristo.
Minha questão central
envolve o culto solene e o ambiente onde prestamos este culto, pois o Natal é
pagão e não há nada que consiga mudar isto. É o que penso.
Sola Scriptura
Artigos que recomendo para leitura:
[1] The Catholic
Encyclopedia: An International Work of Reference on the Constitution, Doctrine,
Discipline, and History of the Catholic Church.
[3] A origem do nome Missa
do Galo é incerta, todavia a presente teoria se harmoniza com a tese sobre
a celebração do Sol Invictus.
[4] Deuteronômio 12.1-4 na versão NTLH.
[5] Deuteronômio 16.22,23. O termo traduzido por poste-ídolo é Aserá, entidade ligada às divindades femininas que se confundiam
com árvores sagradas.
[7]
O presépio dissemina o falso ensino do Evangelho.
Maria e José não estavam rodeados por animais que se encontravam no campo sob
os cuidados dos pastores. Tudo indica também que José se hospedou no
compartimento da casa destinado a estes animais e não numa gruta. Pelo menos é
o que dá a entender o texto de Lucas 2.7
[8]
Se a data é omitida pelo Novo Testamento, então
porque insistir numa que é falsa?
[9]
O mesmo fenômeno ocorre com a páscoa do
calendário romano onde há coelhos e ovos de chocolate.
[10]
Confissão de Fé de Westminster XXI.5.
[11]
O termo Merry
Christmas significa literalmente Feliz
Missa de Cristo.
3 comentários:
Muito bom e oportuno esse texto!
Um texto extremamente coerente, digno de aceitação.
Muito oportuno, pois nos mostra a responsabilidade que temos como cristãos de cultuar ao nosso Deus apenas como esta na bíblia sem nada acrescentar ou tirar. Toda gloria e honra ao Deus eterno.
De Agostinho Gabriel
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